Prumo
Paulo Rios Filho – [email protected]
Universidade Federal da Bahia
À frente, uma árvore que precisa de poda, dois portões de ferro, um pequeno e um grande, chumbados em um muro convencional, entre a calçada alta de contenção das chuvas e um espaço amplo de terra, habitado por um verde e um seco de plantas frutíferas e mato, com pequenas pedras ao redor e folhas secas de mangueira, que caem o ano todo, e se acumulam, desde os galhos da grande árvore que parece proteger, e de fato protege, aquilo que se encontra mais ao fundo: uma casa de barro…
…que começa feito uma torre que se dirige aos céus, mas que não é mais alta que o incrível pé-de-mamona que se ergueu entre ela e a mangueira, no espaço sanitário dos cachorros que ali habitam, haja adubo.
Depois, um pequeno portão de madeira destruído pelos mesmos cachorros, há de se consertar. Uma outra mangueira que parece proteger, e de fato protege, a principal entrada da casa, uma porta que se abre em duas bandas e dá espaço à escada, que por sua vez leva, em espiral, ao andar de cima, ainda inacabado. Há de se acabar.
O chão coberto de pó ao redor da escada, com tábuas de madeira, acima, presas a cordas amarradas na estrutura viçosa do telhado, onde andaimes se erguem também feito torres, desta vez torres provisórias, que abrigam os movimentos desprotegidos e desenrolados de pedreiros que fecham um vão, entre as paredes de barro-vivo e o telhado de barro-morto.
Se seguimos abaixo, já que em cima ainda não há, um sofá também feito de barro, com as pedras estabilizadas por um pouco de cimento, pedras que são o subproduto do corte das portas, que não estavam lá ainda quando da subida das paredes, em seus sacos de polietileno empilhados, cheios de barro e areia que vão sendo desenrolados e compactados logo atrás, com o tal do Chico, apelido carinhoso que Baleco deu à ferramenta de compactação…
Por falar em Baleco, Zacarias até outro dia estava por aqui, rebocando ali e acolá, fazendo mosaicos de ladrilhos em cacos, coletados na rua por Luiza, inventando narrativas de uma firma criada pelo Fabrício que até helicóptero tinha para resgatar os pião, além de consertando os pisos mal executados dos outros, estes em quem um dia ainda ei de dar os trocos, e hão de lascarem-se todos.
… depois da sala um banheiro no corredor e um quarto, onde a pintura que foi feita antes do teto se foi com as primeiras chuvas, e de onde por duas das cinco janelas, feitas de manilhas de fossa, dá para ver a terceira e a quarta mangueiras, essas um pouco menores, mas não menos belas, por detrás das telas de mosqueteiro chumbadas com barro e arredondadas, e é importante frisar ainda que, se não fossem elas, poder-se-ia em um pulo estar no quintal, se bem que a área externa ela toda é um grande quintal, mas este quintal é mais quintal, disso eu sei, e não por acaso é lá onde estão as bananeiras. Amoreira, aceroleira, gravioleira, goiabeira e também as galinhas Lili, Escândalo, Mocinha, Pretinha e o galo garnizé Douradinho, que canta fino, haja fofura.
Em cima, uma varanda. Embaixo, a fossa. E o tanque onde dão as bananas, que recebem as águas do sanitário, dessa vez o humano, águas que são então tratadas por bactérias anaeróbicas e filtradas até a raiz, haja adubo, e tome-lhe banana.
Ainda há um terreno ao lado, ainda se há de murar. Uma despensa, uma lavanderia e o ateliê de Luiza, onde os ratos, os que visitam e os que moram, gostam muito de passear à noite e aproveitam o guarda-roupas para se esconder da Mucura, aquele gambazinho simpático de flato poderoso, que, não fosse por isso e pelo fato de predar ratos selvagemente, além de emitir um poderoso e assustador ruído vocálico quando se sente ameaçado, mais pareceria um bichinho de pelúcia na cama de nossa filha, que chega de Março para Abril do ano que chega, e que também vai habitar aqui dentro dessas paredes de pedra de barro duro com um pouquinho de cimento na mistura.
Casa é obra. Obra é processo.