Oya, Laudamus: o Tempo, a Emersão

Peter Pereira Marques – [email protected]
  

Breve comentário sobre a obra

O Axé Music, na ótica deste autor, não deveria estar classificado como um estilo específico ou um ritmo particular e independente mas atribuído a uma sensação de pertencimento (transmutável) e de ser (ser-rítmico).

Durante o processo da composição desta obra, estive mergulhado profundamente no universo da Axé Music, procuro então no inicio deste processo, caminhos cruzados (ou passarelas) que possam servir como intercessão com o núcleo da personalidade da peça. Percebo, no entanto, que ao debruçar-me com mais atenção e curiosidade, o tal mergulho não me leva somente ao “primeiro plano” (ou o que é perceptível em uma primeira audição) do Axé, do carnaval ou dos tambores, mas de uma profunda empatia intuitiva da relação da mente de um cantor de Axé e do abismo entre seu trio e uma multidão (ou do homem e o infinito).

Divagando um pouco mais a fundo: a de um cantor imaginário que seria (ou tentaria ser) todas essas vozes - de uma certa forma, a maioria desses cantores, ao longo desses 30 anos , assumiram uma identidade heterogênea e se entendem parte de um todo maior - de uma só vez, desde seu nascimento ao sucesso, de sua angústia ao seu esquecimento. Ou seja, o Axé Music na sua plenitude como movimento e/ou como entidade. A utilização de motivos que derivaram de junções (algumas vezes) de duas ou mais melodias da Axé Music e a ressignificação (sonora e visual) de um instrumento qualquer em um instrumento de percussão – como se todas as coisas vivas ou não, fossem ritmo em movimento – são as formas estruturantes para a construção da peça. Outra característica importante é a trajetória da cantora no palco: primeiro, está fora do palco. Ouve-se distante: é uma voz que impera e que vem de cima, como uma grande saudação. Depois, com sua entrada no palco (sempre acompanhada pela conga) assume autoridade e demonstra força ao cantar para milhões. O que ouvimos neste momento é sua voz interior e o canto do povo se torna opaco e indefinido, o que lhe resta é sua oração, até perceber que está totalmente sozinha. Uma outra importante característica do “ser Axé Music” é a repetição compacta de gestos musicais, que dialoga com essa peça através da euforia. Na sessão “Trio (elétrico ou Ressurreição)”, a “entidade Axé” quer falar por entrelinhas, através de um processo de tensão e energia acumulativa, onde melodias características podem surgir e desaparecer rapidamente em rotação, como uma espécie de manivela. Toda essa energia é dissipada subitamente pelo despertar da cantora, que se depara olhando para si mesma e vendo que ela é a personificação do Axé. Um ritual se inicia (a obra de Lindembergue cantando Fricote de Luíz Caldas), é a Bahia, como se todas as coisas vivas ou não, fossem ritmo em movimento, apesar do abismo entre milhões e ninguém, entre a fala e a escuta, ente Ritual (Lindembegue) e Fricote (Luíz Caldas) mas de como o Axé mora neste abismo e em todas as coisas.